segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Palco da vida

Músicos de rua trazem novos sons ao cotidiano paulistano


Quem caminha diariamente pelas ruas de uma cidade como São Paulo deve estar acostumado a ouvir o som das buzinas, das britadeiras de alguma construção e dos passos dos pedestres que andam sem parar para reparar no cenário ao seu redor. Mesmo assim, músicos independentes improvisam seu palco nas vias públicas, com o intuito de cantar, divulgar o seu trabalho e, por consequência, trazer novos sons para o cotidiano metropolitano.


O endereço não pode ser escolhido ao acaso. Muitos optam pelo centro da cidade, lugar de grande movimento e possibilidade de público. Foi assim que pensou José Rosa, quando começou a se apresentar nas ruas. Depois de muito tempo de trabalho puxando uma carroça com papelões, o aposentado de 86 anos resolveu recordar dos desejos de criança, empunhar um violino e ocupar um espaço nas muretas do Viaduto do Chá, local onde pode ser encontrado de segunda a sábado.

Embora confirme que sua idéia partiu, entre outras coisas, da dificuldade de arranjar emprego devido a idade avançada, José não toca somente por necessidade, mas também por gosto pela música. "E como eu toco vários instrumentos... Eu toco sanfona, cavaquinho, bandolim, violão, essas coisas. Então eu falei 'Vou pegar o violino e vou tentar com ele'", desabafa.

De todas as pessoas que transitam no viaduto, uma ou outra dedica atenção à melodia do idoso. E ele mesmo diz, "Tudo que faço sou eu mesmo que invento”. Em um dia de apresentação, o morador do bairro do Cambuci consegue arrecadar cerca de 150 reais, "Mas é só moeda. Isso aí demora”. A prática também lhe rende algumas experiências. "Aqui passam muitas pessoas, as moças pedem para tirar fotos... Eu tenho foto no Brasil inteiro. Até na China eu tenho foto: os chineses passam aqui e perguntam ' eu poço tirar foto?' e eu deixo". Esse tipo de reconhecimento lhe proporciona alegria, além da possibilidade de garantia do seu sustento.

Não muito longe dalí, na rua 15 de Novembro, próximo a Praça da Sé, uma música ecoa sob a atenção de um público mais numeroso. Rodeado pelos ouvintes, um amplificador, uma pequena mesa de som, microfone com pedestal e a voz do goiano Fabiano Martins, que canta e faz agradecimentos a quem já o conhece e o ouve com frequência. Nas ruas a 2 anos e meio, Fabiano expõe composições próprias e de ídolos do sertanejo.

Ele orgulha-se ao falar das 34 mil cópias vendidas de seu CD pelas praças e compara, "Bar nenhum, lugar nenhum paga o que as pessoas nas praças pagam". Acompanhado de amigos que ajudam a divulgar o seu trabalho, vestindo camisas com sua foto enquanto ele faz seu show, o cantor enumera os programas de TV que participou. Entre eles, o de Raul Gil, o de Sônia Abrão e o de Paulo Henrique Amorim. Cita também algumas reportagens feitas para jornais impressos.

Ao falar de experiências marcantes, Fabiano longo lembra da atual tentativa da prefeitura de tirar ele, além de outros artistas, das ruas da cidade. "Eu tive de entrar com uma ação na justiça para garantir esse direito (de cantar)". Ele ainda  comenta que já precisou interromper uma apresentação. Hoje, só canta tendo consigo uma ordem judicial para o caso de alguma abordagem.

A iniciativa da prefeitura também é alvo das reclamações feitas pela dupla de repentistas Pena Branca e Verde-niz. Eles dividem o espaço da rua 15 de Novembro com Fabiano Martins, fazendo rimas reunidas em seu CD ou improvisadas no instante da apresentação.

Enquanto os pernambucanos se apresentam, são acompanhados por um público que filma, fotografa e dá algumas risadas com o trabalho deles. E bem próximo ao aglomerado, soldados da polícia militar fiscalizam. Quanto a isso, um dos repentistas argumenta, "Você vê: a gente estava trabalhando e a polícia nos rodeando e a gente vende o que é nosso, não é pirata."


Acreditando que contribuem para a divulgação da cultura, os companheiros de rima levam o trabalho nas ruas a sério. Eles fazem parte de um grupo e revezam suas apresentações no local. "Cada um trabalha uma hora", explica Pena Branca. Criados em uma “família de repentistas”, Pena Branca e Verde-niz também estiveram na TV.  "Nós fizemos 'Som Brasil', com Lima Duarte, na TV Globo, fizemos 'Ratinho' na Record, fizemos no SBT com o Gugu e outras televisões".

Desde 1969, Pena Branca e Verde-niz estão em São Paulo sobrevivendo do trabalho com Repente. Mesmo já tendo trabalhado com carteira assinada em várias empresas, afirmam, “o nosso ramo mesmo é cantar Repente”. O CD produzido não é um trabalho recente, a primeira gravação da dupla foi feita em LP. Nas ruas, eles conseguem arrecadar o suficiente para se manter, utilizando apenas de um pandeiro para cada um.

Ao ser procurada, a respeito das reclamações feita pelos artistas de rua, a assessoria de imprensa da Subprefeitura da Sé, que atende a região onde atuam os artistas desta matéria, afirmou que “Se a apresentação requerer aparelhagem de som ou alguma outra instalação no espaço público, o artista deverá solicitar autorização à Subprefeitura”.

Com relação a presença de PMs em algumas apresentações de rua, a assessoria explicou tratar-se de algo estabelecido por convênio chamado de Operação Delegada, assinado com a Prefeitura, a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana. Apesar disso, o José Rosa, primeiro citado no início dessa reportagem, expressou seu desejo em comprar um amplificador.

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